Quando vires os teus olhos a verem-te, quando não souberes se tu és tu ou se o teu reflexo no espelho és tu, quando não conseguires distinguir-te de ti, olha para o fundo dessa pessoa que és e imagina o que aconteceria se todos soubessem aquilo que só tu sabes sobre ti.

José Luis Peixoto

terça-feira, 29 de outubro de 2013

do Norte

"No Norte quando se ama, acaba tudo. Começa tudo. Nunca mais esqueceremos. No Sul nada acaba de repente, há mais maneiras, uma forma diferente de nos encontramos e de nos deixarmos. No Norte somos todas rapazes. Há um brio qualquer, uma razão secreta para não haver cavalheirismos. Somos iguais e então é uma guerra. No Sul que parece tão fácil é sempre tudo mais difícil. Se nos arrebatam, estamos doidos, se somos nós a arrebatar, estamos doidos. É assim e eu sei que não é por mal. No Norte matamo-nos, matamos, fazemos um pé-de-vento, há sempre confusão nas estações de comboio. E bêbedos, muitos bêbedos. Metade delas, das bebedeiras, por causa deles. Dos amores partidos. No Norte, uma senhora tem sempre um rasgo de aventura escondido no peito, o Norte é duro, torna-nos duros e desvairados quando amamos. No Norte ama-se tudo, a família tonta, os ricos e os pobres são histórias que se contam casa sim e casa não. No Norte, onde tudo importa, tudo se aceita. Comem-se tripas. Mas no Sul não. No Sul apaixonamo-nos mais vezes e quando damos conta fomos levados. É do calor. E não era assim tão importante. Quando, no Sul, um amor nos arranca do chão, esse é o único. E lembramo-nos do Norte: violento e terno, como todos os grandes amores."


Porque nunca, tanto como aqui, me fizeram ver que sou uma mulher do Norte.


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